Em recente evento no Paraná, o chairman da ITKF falou sobre a necessidade de formar novos quadros de dirigentes para a modalidade, prática já adotada na organização.
POR PAULO PINTO / GLOBAL SPORTS
29 DE AGOSTO DE 2023 / CURITIBA (PR)
Em vez de um discurso vazio, Gilberto Gaertner, chairman da Federação Internacional de Karatê Tradicional (ITKF na sigla em inglês), usou um exemplo bem direto ao expor suas ideias. “Na gestão da ITKF, eu e o secretário-geral Luiz Alberto Küster temos mais ou menos a mesma idade, mas todos os outros diretores são pelo menos dez anos mais jovens. Estamos criando uma nova geração para assumir e dar continuidade à renovação porque esse é um ponto importantíssimo.”
Para o dirigente, um dos grandes problemas que todas as organizações de karatê enfrentaram foi justamente a falta de construção da continuidade. “Quando o professor juu-dan (10º dan) Masatoshi Nakayama, morreu, por exemplo, a organização JKA foi-se dividindo porque todos se achavam em condições de assumir a liderança. No próprio karatê tradicional houve muita briga e confusão até conseguirmos reorganizá-lo, mas mesmo assim ainda há três entidades diferentes. Se não preparamos uma continuidade, o processo se tornará traumático, é como deixar uma bomba relógio para explodir e criar insatisfações e diferenças no futuro.”
O chairman citou especificamente o comitê técnico da organização, no qual só o professor Eligio Contareli tem a mesma idade dele, enquanto o professor Justo Gómez é dez anos mais novo, já os assistentes do Comitê Técnico Ricardo Buzzi e Cornel Mussat, são 20 anos mais jovens – os três, diga-se de passagem, são os maiores campeões que a ITKF já teve.
Na Confederação Brasileira de Karatê-Dô Tradicional (CBKT) ocorre um processo semelhante: sob o comando de Sérgio Bastos, da mesma geração de Gaertner, dirigentes mais novos ocupam diversas diretorias e preparam-se para levar adiante os ideais da modalidade.
Desde o fim do ano passado, representações de nove países aderiram à ITKF, que conta hoje com cerca de 70 entidades (países) filiadas. Gaertner considera natural essa expansão, mas observa que não há uma ânsia de crescimento. É necessário que haja uma identidade de propósitos. “Não somos um karatê voltado só para competição; temos um objetivo muito mais amplo, que é o desenvolvimento de pessoas, um enfoque educativo e formativo. Não que não haja competição, mas ela é vista também como um processo educativo, uma continuidade do treino diário, com foco na defesa pessoal e no Budô.”
Ainda há grande potencial de expansão, principalmente na África e na Ásia, e até na própria América Central. Neste ano a ITKF vai promover um master course no Uzbequistão, que deve atrair muitos praticantes de países vizinhos ainda não representados. Outro será realizado no Egito, onde o karatê tradicional está muito bem estruturado e agrega grande quantidade de atletas.
“No último campeonato mundial o Egito foi o país que levou o maior número de participantes e dispõe de um grande diferencial: o apoio do ministério do Esporte. Na África subsaariana também há muito espaço para crescimento”, lembrou Gaertner, que tem planos de percorrer essas regiões no ano que vem ministrando cursos e ampliando contatos.
Agenda cheia
Mesmo cumprindo uma agenda intensa de compromissos internacionais, Gilberto Gaertner procura estar sempre próximo do karatê tradicional brasileiro. Em recente evento da Federação de Karatê-Dô Tradicional do Paraná (FKTPr) ele ministrou curso teórico e prático para uma legião de jovens praticantes.
“Devido às competições, os praticantes acabam restringindo o uso de técnicas. Por isso trabalhamos um repertório mais amplo com base nas séries Waza, cheio de possibilidades, voltado para os aspectos da defesa pessoal”, explicou o dirigente. “Isso cria outro olhar sobre o treinamento e sobre a aplicabilidade das técnicas do karatê.”
“A meta de Gilberto Gaertner é dar continuidade a esse caminho, honrando o passado enquanto olha para um futuro, no qual o karatê-dô tradicional e o conhecimento científico se entrelaçam em benefício da humanidade.”
Pós-doutorando em Ciências do Movimento Humano, doutor em Estudos da Criança e mestre em Neurociência, entre dezenas de títulos, Gilberto Gaertner ostenta um extenso currículo não só na área acadêmica, mas também no setor esportivo. Como psicólogo, foi campeão mundial e olímpico com a seleção brasileira de voleibol masculino e vice-campeão da Copa Libertadores da América de Futebol com o Clube Athletico Paranaense. Atualmente dá aulas no curso de Psicologia da PUC/PR, coordena uma especialização em Psicologia do Esporte e Neurociências e atua em clínica com psicoterapia somática, consultoria e psicologia do esporte.
Atuando no campo da psicologia do esporte, por exemplo, recentemente Gaertner fez a preparação mental da atleta da seleção brasileira de ginástica rítmica, Bárbara Domingos. A atleta consagrou-se e escreveu seu nome na história da modalidade com os resultados inéditos conquistados no Mundial de Ginástica Rítmica realizado em Valência, na Espanha, e no Grand Prix de Thiais, na França, onde conquistou um ouro e um bronze inéditos. Babi conquistou resultados históricos e desponta como promessa para Paris 2024, pois já assegurou a sua participação no Jogos Olímpicos da França em 2024.
Seu contato com o karatê ocorreu no final dos anos 1960, embora desde os 12 anos já praticasse judô, na Academia Kodokan de Curitiba (PR) e resolveu assistir a uma aula do sensei Júlio Takuo Arai. “O karatê que aprendi com o sensei Arai foi fundamental para minha vida e até hoje é o meu eixo existencial”, resumiu Gaertner ao explicar o impacto que sentiu naquele primeiro encontro.
Foi também por influência do sensei Arai que ele começou a se interessar pela parte política da modalidade, incluindo a gestão da federação paranaense e sua filiação nos anos 1980 à CBKT, da qual viria a ser presidente, antes de chegar ao comando da ITKF.
Que karatê é esse?
O karatê-dô tradicional destaca-se como uma arte marcial fundamentada em história, filosofia, técnica e ciência. Seu grande mestre, criador e difusor foi Hidetaka Nishiyama (10 de outubro de 1928, Tóquio – 7 de novembro de 2008, Los Angeles).
Seus estudos a respeito do movimento humano pautados na fisiologia, cinesiologia e biomecânica resultaram numa abordagem de treinamento de karatê diferenciada. É importante destacar que a sua pesquisa remonta os anos 1960, quando ainda poucos treinadores faziam uso da ciência no esporte como um todo.
Sua pesquisa não só aprimorou a eficácia das técnicas, mas também minimizou os riscos de lesões, garantindo a longevidade dos praticantes e a expansão territorial do karatê-dô tradicional.
Nishiyama deixou um legado científico inestimável que transcende o mundo do karatê-dô tradicional e contribuiu fundamentalmente para fortalecer a imagem da ITKF.
A meta de Gilberto Gaertner é dar continuidade a esse caminho, honrando o passado enquanto olha para um futuro, no qual o karatê-dô tradicional e o conhecimento científico se entrelaçam em benefício da humanidade.