É premente que as pessoas entendam que as novas gerações têm visão própria de gestão ou administração e precisam ser respeitadas. “Nós não ficaremos aqui para sempre.”
POR PAULO PINTO / GLOBAL SPORTS
11 DE AGOSTO DE 2023 / SÃO PAULO (SP)
Como jornalista esportivo há quatro décadas, a maior parte desse tempo no cenário das lutas, por diversas vezes acompanhei a trajetória de dirigentes de entidades que, após se manterem no poder às vezes por mais de meio século, morreram e deixaram um ambiente de disputa e desordem pelo simples fato de não terem tido a dignidade de pensar na instituição sem a presença deles. Resultado: dilaceração total ou parcial da instituição, dissidência geral e a criação de diferentes formas de administração de algo que antes era único.
Isso ocorreu, repetiu-se numerosas vezes e acontece até hoje com vários mestres de karatê e dirigentes de inúmeras modalidades esportivas. Por questão ética e respeito aos seus seguidores, preferimos não citar nomes.
Existe, porém, uma nova geração de gestores que, devido à formação mais acadêmica e a uma visão mais democrática e até mesmo holística dos cargos que ocupam, veem a gestão como algo transitivo, efêmero ou até mesmo contigencial.
Um grande exemplo dessa transitoriedade é o professor doutor Gilberto Gaertner, que, após passar pelas presidências da Federação de Karatê Tradicional do Paraná (FKTPr) e da Confederação Brasileira de Karatê-Dô Tradicional, ocupa hoje a liderança mundial da modalidade, mas jamais deixou de se preocupar com aqueles que vieram depois ou deixou de fomentar o surgimento de novas lideranças.
Transcendendo sempre seus atributos, o atual chairman da International Traditional Karate Federation – professor universitário e psicólogo –, jamais tirou um dos pés da sua base, ou seja, do karatê desenvolvido em seu dojô, em seu Estado que é o Paraná e do seu País. Lançando sempre um olhar cósmico rumo ao futuro e ao macro, fator que lhe permite hoje reformular totalmente o legado do shihan juu-dan (10º dan) Hidetaka Nishiyama, aluno direto de Gichin Funakoshi, mestre pioneiro do karatê moderno e fundador da escola Shotokan.
Em recente entrevista num dos eventos promovidos pela atual gestão que o sucede à frente da Federação Paranaense de Karatê-Dô Tradicional, Gilberto Gaertner foi absolutamente claro e enfático.
“Tem sido uma grata surpresa a desenvoltura da atual diretoria da FKTPr. O presidente Jean Laure Edoardo de Oliveira e sua equipe realizam excelente gestão. Avalio que estão fazendo um trabalho muito interessante no fomento democrático da nossa modalidade. Circulam bastante pelo Paraná e atendem muito bem o interior do Estado, realizando vários cursos descentralizados, e não mais restritos aos dojôs da Grande Curitiba .”
Lembrando que participa muito pouco dos eventos da FKTPr em função da sua agenda bastante complexa, o dirigente da ITKF reiterou a admiração pelo trabalho realizado pela nova geração.
“Esta é a segunda atividade de que participo neste ano na federação, mas confesso que fiquei muito satisfeito ao constatar a qualidade do trabalho realizado no karatê tradicional do Paraná. A minha avaliação dessa nova geração é muito positiva porque tem sido uma administração muito dinâmica, com reiterados treinamentos específicos para a seleção, além de cursos para filiados, árbitros e técnicos. Forma-se assim o tripé técnico da modalidade, que é a base de desenvolvimento de uma federação esportiva.”
Renovação
O ex-presidente da FKTPr afirmou estar especialmente satisfeito por constatar a renovação na gestão. “Trata-se de um grupo de professores muito mais jovens, algo muito especial porque estamos falando de continuidade e do futuro da entidade e da modalidade. Já fui presidente e estou aqui prestigiando e dando a minha pequena colaboração, assim como o sensei Antônio Carlos Walger, também ex-presidente. Os outros ex-presidentes, senseis Guilherme Carolo e Nélson Santi, infelizmente não puderam estar conosco nesta oportunidade. O professor Jean Laure é muito mais jovem, contudo, está fazendo boa gestão com a participação e o apoio dos principais professores do Paraná da atualidade. Aos poucos impõe seu estilo e sua marca, e esse é o fator mais importante. É justamente a soma das peculiaridades de cada gestor que promove a tão necessária renovação”, explicou Gaertner.
O líder mundial da ITKF Global lembrou das perdas históricas que atropelaram e até inviabilizaram a sustentabilidade das maiores instituições do karatê mundial.
“A história nos mostra que a perpetuação no poder gera vícios, fomenta egos e afasta as entidades dos seus reais objetivos e princípios éticos. Acho que isso é um ponto, além de importantíssimo, inegociável, porque no passado o continuísmo foi uma das maiores dificuldades que nós tivemos em todas as organizações. Para não dizer a maior tragédia.”
“Premente é ver as novas gerações assumirem a responsabilidade de fazer o melhor possível para que a tradição continue, mas com maior equidade, isonomia e probidade.”
“É preciso que as pessoas entendam que as novas gerações de gestores possuem visão própria de administração e precisam ser respeitadas. As pessoas têm de entender que nós não ficaremos aqui para sempre. Sei que há pessoas insatisfeitas, como em qualquer outra instituição, mas é importante aceitar que temos um processo democrático em curso e que esta foi sempre a tônica no Paraná. Sempre houve alternância na gestão da FKTPr, desde a época do professor Júlio Takuo Arai. Além de necessária, a alternância é extremamente saudável.”
O dirigente enfatizou que felizmente hoje há gestões mais novas em outros Estados. “Isso não acontece somente no Paraná. Recentemente fiquei muito satisfeito por ver o professor Tiago Silva Santana na presidência da entidade na Bahia; ele é mais ou menos da mesma geração do Ricardo Buzzi, diretor técnico da FKTPr. São pessoas mais jovens que dão continuidade a um trabalho iniciado há muito tempo, muitas vezes por pessoas que já nos deixaram. Então, eu só vejo esta renovação da melhor forma possível. Esta alternância na gestão é importante, mas premente mesmo é ver as novas gerações assumirem a responsabilidade de fazer o melhor possível para que a tradição continue, mas com maior equidade, isonomia e probidade.”